Um diário de desempenho e satisfação
Como os estados de espírito e sentimentos em relação ao texto elaborado interferem no processo criativo de um romance.
Olá!
Que bom ter você lendo esta cartinha e acompanhando mais uma etapa do processo de escrita de meu romance.
Está lendo a Aprendiz de Escritora pela primeira vez? Que tal assinar a newsletter e receber as próximas cartas em seu e-mail, gratuitamente?
Vamos a mais uma cartinha?
Mão na massa
Na cartinha anterior, concluí a primeira fase do planejamento e estruturação do meu primeiro romance. Com a escaleta pronta, eu tinha o detalhamento dos acontecimentos, ato por ato, para iniciar a fase de escrita das cenas até o final.
A partir desta edição, vou compartilhar o processo de escrever o primeiro esboço do “Café & Romance”, as pesquisas, as entrevistas, as pessoas que me acompanharam na jornada.
Hoje vou contar como organizei uma rotina para registrar os passos percorridos durante os meses de escrita do rascunho de Café & Romance. Chegou a hora de colocar as mãos na massa.
Agora é para valer
Quando terminei de construir o planejamento do primeiro romance, sob a orientação da querida professora e escritora Ronize Aline, recebi a avaliação da estrutura que eu havia criado. Após fazer os ajustes recomendados na escaleta, comecei, efetivamente, o trabalho de escrita da história.
Motivada com avaliação positiva de minha orientadora, preparei-me para iniciar as primeiras cenas. Tensa, tremi nas bases. “Agora é pra valer”, ela me disse na ocasião.
Percebi-me, então, imersa na jornada de construir um enredo, sem experiência alguma como romancista. Todos os cursos e estudos que fiz para me capacitar nesta tarefa pareciam inúteis. Eu tinha as ferramentas, mas sentia-me intimidada a usá-las. Como um aprendiz de motorista na primeira vez em que sai das aulas teóricas e enfrenta a direção de um veículo pela primeira vez.
Vou fazer muitas barbeiragens, pensei. Mas não vou prosseguir sozinha, decidi.
Ateliê do amor à escrita
O passo seguinte foi juntar-me a um grupo de escrita a fim receber encorajamento e suporte técnico na tarefa de erguer o projeto a que me propus. Inscrevi-me no Ateliê de narrativas da querida professora e escritora Ana Rüsche e intensifiquei os estudos da criação literária com um grupo especialíssimo de aprendizes, como eu.
Conforme ia desenvolvendo a competência para escrever e editar meu romance, adquiri, pouco a pouco, uma rotina especial de escrita. Minha segunda mentora aconselhou-nos a manter um registro dos estados e sentimentos em relação ao texto. Assim, criei, no Evernote, um diário de campo.
Diário de desempenho e satisfação
Em meu diário de campo ia registrando o que estava elaborando e como o trabalho era afetado pelas circunstâncias. Anotava como meus estados de espírito e sentimentos em relação ao texto interferriam no processo criativo. Ao fim do período de produção escrita, tinha um panorama de quanto escrevi ou editei e de como me sentia em relação à escrita.
Desta maneira, tinha condições de avaliar meu desempenho físico e emocional. Ao analisar a própria escrita, conseguia verificar como o processo se realizava.
Algumas notas em meu diário de escrita:
Início Ato I
Cap. 1 e 2 - 4386 palavras
§ Esforçando-me para ignorar estresse externo; concentrada na história; orgulhosa por iniciar a escrita.
§ Inseri diálogos, ajustando as falas. Falares das personagens precisa ser definido.
§ Em dúvidas quanto a foco narrativo. Texto parece melhor no Pretérito: mudei o tempo verbal para o passado.
§ A cada leitura, encontro algo que pode ser melhorado. Controlando ansiedade para editar a todo momento.
§ A versão do primeiro rascunho da cena de abertura precisa de acertos.
§ Acrescentei novas cenas, modifiquei parágrafos. Texto parece mais fluido, as ideias mais claras.
No final - Ato 3
Cap 45 e 46 - Terminei 1ª edição do rascunho
§ Preguiça. Mostrei um capítulo do manuscrito à minha filha e não sei como me sinto sobre isso.
§ Juntei dois capítulos no esboço em um para finalizar melhor a cena.
§ Ritmo lento, interrupções e distrações comprometem a qualidade da edição.
§ Aumentei a tensão entre a protagonista e a antagonista. Melhorei diálogos e ações. Consertei a continuidade.
§ Os erros estão mais perceptíveis à medida em que a edição avança.
§ Preocupada quanto a mostrar algo de minha personalidade no texto. Talvez não consiga publicá-lo...
Todos os dias, bem cedinho, tomava café e comia uma fruta, com uma caneca de água sempre ao lado do notebook. Após duas horas de escrita, sentia fome e não conseguia continuar a trabalhar.
Obrigada a fazer uma pausa, comia e bebia algo, ouvia alguma notícia ou assistia a um episódio de uma série. Então retornava à escrita de novas cenas e trabalhava por mais quatro horas seguidas. Novo intervalo e mais um período de escrita.
Foi assim durante todos os meses de escrita, de edições, de revisões, de ajustes. Ao fim da 1ª edição, enviei o manuscrito à minha amiga Dilene para apreciação da história.
Na próxima cartinha
Vou contar como foi ter leitoras beta interagindo com minha história e a sensação de receber as primeiras devolutivas na oficina de escrita.
Uma palhinha
Diana enfiou a chave na porta de seu prédio, ao lado da loja, com as mãos tremendo. Um pouco de seu nervosismo diminuiu ao trancá-la às suas costas. Como se a enorme porta de ferro a mantivesse a salvo das sensações confusas experimentadas no mezanino.
Subiu as escadas correndo, angustiada por ter fugido de Hugo. Talvez devesse ficar um pouco mais na livraria e comemorar com ele a vitória da abertura do Café. Quem sabe, até ficassem bêbados e tivessem uma linda noite de amor.
Trocou o vestido risca de giz azul-marinho por um camisetão de algodão preto. Apagou todas as luzes de casa, menos a do quarto, e se deitou. Precisava refletir sobre sua intempestividade.
Ainda remoía sua tristeza quando o celular vibrou. Era Hugo na linha, com a voz um tanto alterada: “Quero me desculpar se fiz alguma coisa que magoou você. Eu seria o homem mais feliz do mundo se me desse uma segunda chance. Não diga nada, apenas abra a porta pra mim.”
Fragmento de Café & Romance, de Denise Gals.
Lendo
Antes que o café esfrie, de Toshikazu Kawaguchi
Há mais de 100 anos, em uma rua quieta e pouco movimentada de Tóquio existe um café. É um lugar bem pequeno; dez pessoas já lota o espaço dos clientes. Mas lá eles servem um café muito especial. A lenda urbana diz que neste lugar os clientes podem viver uma experiência única: uma viagem no tempo. Mas não é assim tão simples, há uma série de regras estranhas que acabam por desestimular muitas pessoas a passar pela experiência. Mas algumas pessoas estão dispostas a passar por tudo isso.
Nota: Hoje só vou indicar um livro, pois ando atolada com as leituras atrasadas dos livros que sugeri na edição anterior desta newsletter.
Para encerrar…
A água escorre dos lugares altos para os mais baixos. sempre. É a natureza da gravidade. As emoções também parecem agir de acordo com a gravidade. Na presença de alguém com quem se tem laços, a quem você já confiou seus sentimentos, fica difícil mentir sem que o outro perceba. A verdade simplesmente quer fluir, se libertar.
Toshikazu Kawaguchi, em Antes que o café esfrie
Então é isso.
Espero que tenha gostado desta edição e se sinta com vontade de deixar um comentário. Vou adorar.
Se desejar, compartilhe esta cartinha com outras pessoas que apreciariam este conteúdo.
Grata pela leitura e até a próxima!
Site: denisegals.com.br
Twitter: @denisegals
Instagram: @denisegals
Ah, sim, mais uma coisa: encantada com tua disciplina, com esse registro cuidadoso do processo. Muito, muito bom.
"Preocupada quanto a mostrar algo de minha personalidade no texto. Talvez não consiga publicá-lo..."
Tenho pra mim que toda ficção tem um quê de autobiográfica. Porque, mesmo que a escritora se inspire em terceiros para criar enredo e personagens, é o olhar de quem escreve que está ali, né? Sempre que alguma coisa me chama atenção na história - muitas vezes alguma identificação - corro pra pesquisar mais sobre a autora, descobrindo, com frequência, que aquilo fez parte da sua vida de alguma forma.
E acho que é por isso que as histórias nos tocam, porque geram certa empatia.
Ah, sim, e uso "escritora", no feminino, de propósito mesmo. Embora leia autores homens também, nos últimos tempos (diria que de uns dois anos pra cá, com mais consciência e propósito), tenho dado preferência a livros escritos por mulheres. Muito feliz porque, em breve, terei um Denise Gals na estante. Você já contou por que Gals? (Curiosa, eu?)