Uma xícara de café e um livro para aquecer o coração
Que emoções você deseja despertar nas pessoas quando lerem o título de seu livro?
NOTA: Se você recebeu uma carta anterior semelhante a esta, ignore-a. Esta edição substitui a anterior.
Olá!
Contente por você abrir esta cartinha e acompanhar mais uma etapa dos elementos básicos do romance que produzi durante a quarentena.
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Vamos a mais uma cartinha?
Qual o nome da coisa?
Na cartinha anterior, mostrei como, ao planejar a cena final do romance, deixei algumas lacunas sobre o que estaria por vir, para que, ao terminar a leitura, você percebesse uma tendência à continuidade, além de um sentimento de avanço e transformação em relação ao que a protagonista passou.
Hoje vou contar como elaborei o título do romance e os caminhos que percorri para que ele atendesse às funções básicas que um título deve ter.
Quando comecei a planejar a história, já estava com os elementos do nome em mente: “café e romance”. A princípio, tinha certeza de que eles descreviam sobre o que seria o meu livro. A sensação forte de que ele capturaria imediatamente a atenção das pessoas a ponto de desejarem abrir o livro e mergulhar nele.
Ao final da escrita do primeiro esboço do romance, durante a avaliação crítica do original, recebi o primeiro baque. Minha avaliadora sinalizou que o título deveria ser mais chamativo. Eu deveria experimentar alguma frase chave do livro como opção mais criativa para o título.
Iniciei, então, a saga de encontrar um novo título. Com a orientação de minha mentora, propus-me a trabalhar a fim de encontrar um nome para minha obra. Experimentei trocá-lo por “Escrevendo sonhos na livraria”, mas torcia a cara cada vez que o pronunciava.
Brincando com palavras
Pedi ajuda à amiga Lucia Freitas – que escreveu o prefácio do romance link instagram– e, juntas, fizemos uma tempestade de ideias em busca do título perdido. Ela também concordava com a avaliadora que o meu primeiro título não lhe dizia nada. Snif. Criamos alguns jogos de palavras, anotamos ideias, combinamos diferentes possibilidades até chegarmos a um terceiro nome: “Quem disse que você pode?”
Entretanto, desde o início, durante todo o processo de escrita, era produtivo trabalhar com um título provisório. Ajudava a dar uma “fachada” para a história. Eu estava motivada com a ideia inicial. Então, mesmo que eu tentasse mudá-lo, duas vezes, “café e romance” ainda reverberava como um letreiro piscando o nome da coisa que eu havia construído.
Explico por quê:
Café, palavra associada a algo que agrega, traz alegrias, promove ideias inovadoras, estimula projetos. Pode ser uma bebida ou um lugar. Ou ambos.
Romance, palavra associada a interações humanas, relacionamentos afetivos, traz discussão sobre o amor, promove momentos de risadas e suspiros, sugere sonhos, estimula projetos. Pode ser um sentimento ou uma narrativa ficcional. Ou ambos.
“Café & Romance”, com o símbolo gráfico &, usado como ligação nas razões comerciais, lembra a placa de um estabelecimento ou de uma empresa. Pelo menos, a ideia era essa...
A protagonista desejava dar início a um empreendimento profissional que agregasse pessoas amantes de romances em um ambiente aconchegante e fumegante, e fosse palco de relações intensas – afetivas e literárias.
O título deve ser apropriado ao gênero de seu livro, advertiram-me. Há algo que ressoe tanto o gênero do meu romance e emocione o meu público leitor quanto um livro chamado Café & Romance?
Por fim, uma xícara de café e um livro para aquecer o coração pareceu-me uma combinação perfeita. A bebida e o estabelecimento; as relações afetivas e as obras literárias. A disputa estava decidida.
Primeira fase concluída
Terminamos aqui, todas as etapas de planejamento e estruturação do meu primeiro romance. A partir daí, com a escaleta pronta, eu tinha o detalhamento dos acontecimentos ato por ato para iniciar a fase de escrita das cenas até o final.
Na próxima cartinha…
Vou contar como foi o processo de escrever o primeiro esboço do “Café & Romance”, as pesquisas, as entrevistas, as pessoas que me acompanharam na jornada. Não perca.
Uma palhinha
Do mezanino, Diana apreciava o movimento na livraria. Duas estudantes folheavam alguns volumes no balcão da promoção. Mais adiante, uma senhora de cabelos brancos lia a orelha de Orgulho e Preconceito. Reconheceu as silhuetas de Elizabeth e Darcy na capa.
Fechou os olhos e inspirou o aroma de café e livros impregnando o ambiente. Um dia ainda teria um lugar como aquele. Com as paredes tomadas por romances. “Só os Românticos”, frisou. E uma cafeteria com cupcakes e brownies de chocolate. “Escritora Diana Almeida abre café-livraria...”, devaneou.
— Finalmente encontrei você! Estou enganada ou nós marcamos nas poltronas?
Com as sobrancelhas arqueadas, Mara batia um dos pés no chão. Arrastando a cadeira para trás, Diana levantou-se com cuidado e encarou a amiga. Tomou um último gole do cappuccino e balançou o celular.
— Bom dia, Má. Mandei mensagem. Você marcou às 9h.
A amiga alegou problemas com o Uber. Trânsito infernal em Botafogo. Virou as costas e desceu as escadas, jogando os cabelos castanho-claros para trás.
Diana revirou os olhos. Ela jamais admitiria um atraso, pensou, enquanto seguiam para o salão da Livraria da Travessa. Acomodou-se em uma poltrona de couro marrom.
— Sempre quis ser escritora. Será que um dia eu consigo escrever um romance? — disse, folheando o caderno brochura que comprara mais cedo.
— Tsc, tsc, tsc. Sem chance! Você? Escrever romances? Quem disse? — Mara abriu Madame Oráculo, da Margaret Atwood.
Diana afundou na poltrona. “Que ironia, ela vai ler justo esse”, pensou. Prendendo os cachos castanhos de volta ao rabo de cavalo, insistiu:
— Por quê? Você acha que eu não escrevo bem?
Fragmento de Café & Romance, de Denise Gals.
Lendo
O Vendedor de Passados, de José Eduardo Agualusa.
Na capital angolana, Luanda, no fim da Guerra Civil (1975-2002), Félix Ventura, um senhor albino com hábitos reclusos e com uma biblioteca imensa em sua casa, aproveitando-se da sua erudição e dos documentos e materiais históricos que possui, trafica memórias. Ele vende passados melhores para quem deseja apagar a trajetória complicada e perturbada que teve. A partir destes serviços, os clientes (novos ricos, figuras públicas, empresários, políticos e artistas angolanos) adquirem uma nova biografia, mais charmosa e mais condizente com os novos tempos. Nossas memórias e nossas histórias excepcionais são o que constroem um país. Fascinante, não?
A propósito, assisti à roda de leitura sobre essa obra, ao vivo, com o autor, na semana passada, no Centro Cultural Banco do Brasil. Foi uma experiência emocionante.
A Ilha do Dia Anterior, de Umberto Eco
A história de Roberto del Pozzo, um jovem nobre de uma famosa família italiana. Vivendo como o futuro sucessor da Griva, vemos um pouco de sua trajetória até ele embarcar no Amarili e naufragar no Oceano Pacífico. Repleto de alusões às grandes obras do passado, aos mestres, aos cientistas, este livro é uma profusão de temas como a vida, o método científico, o papel da religião em nossas vidas. Umberto usa o enredo como um mote para apresentar uma série de temas ligados à filosofia. Uma delícia de leitura.
Para encerrar…
Há pessoas destinadas a sonhar (algumas são bem pagas para isso); há pessoas nascidas para trabalhar, práticas e concretas e incansáveis, e há pessoas com jeito de rio, que vão da nascente à foz sem quse nunca abandonarem o leito.
José Eduardo Agualusa em O Vendedor de passados
Então é isso.
Espero que tenha gostado desta edição e se sinta com vontade de deixar um comentário. Vou adorar.
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Grata pela leitura e até a próxima!
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